sexta-feira, 29 de agosto de 2008



A Universidade do Futuro não é uma Utopia: há lugar para as razões sociais e humanas


Maria Lúcia Pinto Leal

O debate sobre a universidade do futuro certamente passa por uma análise do paradigma mercantilista que se hegemoniza sob a égide da globalização neoliberal em franca ofensiva no Brasil pós-1995, nomeadamente quando dissemina o fordismo na educação brasileira. E por outro lado, por uma lógica não mercadológica que confira centralidade na democracia participativa para construir uma universidade voltada para os interesses humanos e sociais, fundados em modelos públicos de educação, qualificado por saberes que se identifiquem pela intensidade de sua qualidade e diferenças, na construção dos pilares de um conhecimento em prol de apostas Emancipatórias.

A discussão da crise da universidade no século 21,concede à crise institucional, através da crise financeira, como parte de um "fenômeno estrutural" no qual tais políticas sociais assim como a educação pública perdem suas prioridades sobre bens públicos produzidos pelo Estado. A dominância da globalização neoliberal foi direcionada para a expansão do capitalismo educacional, baseado nas noções que adquirimos de uma sociedade informada. A economia, baseado no conhecimento, requer maiores habilidades e o cultivo do capital humano. Por isso, as instituições educacionais vêm servir essas idéias como uma contabilidade educacional a serem definidas pelo mercado e nele substituídas por um paradigma empresarial.

Atualmente, eis que a UnB vivencia essas armadilhas neoliberais, em função da estagnação política, institucional e administrativa consolidada em patamares inimagináveis o que legitimou uma série de práticas incoerentes com a finalidade essencial da universidade pública, gratuita e de qualidade. As denuncias de corrupção que surgiram na universidade recentemente abriram um profundo debate sobre a estrutura da instituição e também sobre a necessidade de mudanças emergenciais. O questionamento das fundações privadas seu funcionamento, a transparência e a democratização da universidade.

O movimento estudantil, assumindo seu papel estratégico ao se mobilizar e articular contra esses desmandos públicos, por meio da mobilização estudantil e a ocupação do prédio da Reitoria, dá visibilidade pública ao desmantelamento ético, político e educacional da UnB exigindo transparência e o redirecionamento político da instituição rumo à democratização participativa e a re-politização dos espaços de luta dentro da universidade.

O que veio mostrar a força do Movimento estudantil provocando, em decorrência, a abertura do diálogo com as diferentes correntes da UnB elevando o patamar do debate a processos claros de democracia participativa. Isto é tão verdadeiro que há quatro chapas disputando as eleições para reitor em setembro de 2008.

Os estudantes forçam uma posição da universidade contra as práticas anti-humanas e anti-sociais. Esta construção, dada pelo movimento estudantil, exige que a universidade do futuro esteja aliada a um projeto emancipatório de educação e de sociedade (ambos) que só será possível com uma democratização por dentro dos mecanismos de participação da UNB aliados aos projetos societários de defesa da autodeterminação dos povos e justiça cognitiva social.

Por esta via, se faz urgente desconstruir a noção de individualismo que traduz em enfrentar às violências, sobre aquelas que se pautam pela a intolerância às noções de diferenças, questionamento crítico, ou resistência a um modelo de controle que depende da forma de padronização e valores que são coniventes com as normas e relações que guiam a mercado econômico.

Estamos tratando de um universo educacional que é vocalizado pelas expectativas de inclusão e mobilidade de jovens estudantes que são previamente considerados candidatos à cidadania, que têm expectativas fundadas nisto e são bloqueados por uma relação desigual de acesso educação. Fatores sócio-econômicos ou geográficos e culturais influenciam em oportunidades iguais. Percebe-se, assim, a necessidade da luta pela educação pública igualitária em todos os níveis.

A universidade de Brasília, desde que foi criada, resiste à lógica mercantil e autoritária por meio de lutas históricas mobilizadas por estudantes, professores e funcionários. Porém, nem sempre conseguimos combater a ofensiva dos critérios de utilidade e mercantilização da universidade lucrativa que os neoliberais propõem como modelo de Política de Educação.

Nesta perspectiva, o desafio que se coloca a este processo de transição paradigmática que está vivenciando a universidade de Brasília passa pela necessidade de re-legitimar a sua própria razão de ser no espectro das ciências e das revisões do próprio “conhecimento”, no conjunto da instituição e perante as fontes de financiamento, públicas e privadas, e, em última instância, no conjunto da sociedade que as interpreta e com quem interage na produção científica e na formação, na construção de um modelo alternativo de organização universitária, no qual as mais diversas áreas do conhecimento, valências e missões possam conviver de forma fértil e desenvolver-se com a liberdade e autonomia que sempre foram pressupostos da missão da universidade.


Profa.Dra. do Departamento de Serviço social,Pós-doutora pelo Centro de Estudos Sociais-Faculdade de Economia de Coimbra-PT.Coordenadora do grupo de Pesquisa VIOLES/LASSOS-UnB

foto de David Cassidy

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