SETE CENARIOS DO PASSADO QUE NAO PODE VOLTAR E UM CENARIO NOVO PARA O SECULO XXI
Jorge Antunes (*)
Cenário 1:
1823. Palácio Tiradentes. Rio de Janeiro.
Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, toma a palavra para defender o anteprojeto constitucional: "- Só poderão ser eleitores do primeiro grau os que provarem ter uma renda mínima de 150 alqueires de farinha de mandioca. Eles elegerão os eleitores do segundo grau, que devem ter uma renda mínima de 250 alqueires. Estes últimos elegerão deputados e senadores que, para se candidatarem, precisam ter uma renda de 500 e 1000 alqueires respectivamente."
"- Viva o voto censitário!" - grita um janota mais empolgado. O Constituinte sobe à tribuna e recita loas a D. Pedro I e ao Brasil independente. Em seguida solta a frase cruel: "- Mulheres, escravos e pobres devem ser impedidos de votar."
O plenário irrompe em aplausos.
Cenário 2:
1832. Câmara dos Comuns. Londres.
Sir James Graham, segundo barão Graham, pede a palavra em nome do partido conservador: "- Os indivíduos têm graus de instrução específica e de conhecimentos gerais diferentes. Portanto, comportam-se de maneiras diferentes no momento do voto. Eles podem ser mais ou menos sensíveis a pressões ou induções externas. Assim torna-se necessária a adoção do voto plural. Deve ser atribuído um peso diferente ao voto de cada pessoa de acordo com sua profissão, status e nível de renda."
Sir Henry George Grey, terceiro conde Grey, aparteou o nobre orador para com ele concordar: "- O partido liberal está de acordo com esse item, senhor barão. O voto de um conde, por exemplo, deve ter o mesmo peso dos votos de 1230 fiscais alfandegários!"
Cenário 3:
1892. Palácio Tiradentes. Rio de Janeiro.
O Constituinte Muniz Freire, do Espírito Santo, sobe à tribuna. É muito aplaudido ao bradar em alto e bom som: "- Não aceito a idéia manifestada por alguns ilustres membros do Congresso de estender o voto até às mulheres. Essa proposta é imoral e anárquica. A mulher, pela sua superioridade de afetos, tem na vida doméstica o seu destino a realizar."
O representante do Ceará, Barbosa Lima, pede um aparte para solidarizar-se com o orador e é bem mais dramático: "- Sou contra o voto da mulher não pela questão do direito mas, sim, porque o voto feminino provocaria a dissolução da família brasileira!"
A coerência do orador seguinte, Lacerda Coutinho, seria categórica. O representante de Santa Catarina achava inconcebível a idéia de se ter mulheres no Congresso. Assim, ele discursou: "- A conceder-se à mulher o direito de voto, deve-se-lhe também o direito de elegibilidade!"
Aristides César Espínola Zama, do Ceará, sobe à tribuna com ares de conciliador. Uma posição de meio termo talvez convencesse a maioria. Propõe então o direito de voto da mulher, com ressalvas, e apresenta emenda aditiva no artigo 69: "- Poderão votar inclusive as mulheres casadas, as viúvas, que dirigem estabelecimentos comerciais, agrícolas, ou industriais, as que exercerem o magistério ou outros quaisquer cargos, e as que tiverem títulos literário ou científico." O Deputado Espínola Zama não convenceu a ninguém.
Cenário 4:
1946. Palácio Tiradentes. Rio de Janeiro.
O Constituinte e ex-ministro Carlos Maximiliano sobe à tribuna: "- Só a elite alfabetizada deve votar. Ao analfabeto falta o meio de acompanhar atentamente a marcha dos negócios públicos e até o de verificar a exatidão da cédula fornecida por outra pessoa e por ele deposta na urna eleitoral."
Seguiram-se vários apartes de apoio ao orador.
"- Que o analfabeto procure os mestres, freqüente escolas gratuitas e terá adquirido a plenitude dos direitos do cidadão!"
Outro orador: "- A pessoa que não sabe ler e escrever não está apta a escolher seus dirigentes, constituindo-se em frágil massa a ser manobrada pelos mais letrados."
Mais um aparte: "- Permitir o direito de votar ao analfabeto, seria um estímulo ao analfabetismo."
Lá no TSE, ao saber do discurso inflamado de Carlos Maximiliano, o presidente Edgard Costa declara: "- A exclusão dos analfabetos do processo eleitoral não contraria a doutrina do sufrágio universal. Essa expressão não deve ser traduzida ao pé da letra."
Cenário 5:
1964. Sindicato dos Metalúrgicos. Rio de Janeiro.
O Cabo Anselmo, presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, faz um veemente discurso: "- Clamamos aos deputados e senadores que ouçam o clamor do povo, exigindo as reformas de base. É necessário que se reforme a Constituição de 1946 para estender o direito de voto aos soldados, cabos, marinheiros e aos analfabetos."
Cenário 6:
2001. Ala Norte do Minhocão. Universidade de Brasília
O professor reacionário diz para um funcionário, no corredor do Minhocão: "- São diferentes os papéis e responsabilidades institucionais de professores, alunos e funcionários. Isso deve traduzir-se em muito grande peso docente nos processos de escolha dos dirigentes universitários."
"- Muito bem, colega!"- grita um jovem professor que até um ano atrás era aluno da pós.
Logo faz-se uma roda de estudantes que passam a ouvir, incrédulos, argumentos os mais estapafúrdios.
"- A escolha de um reitor não pode ser semelhante à eleição para prefeito de um município!"
"- Um professor fica aqui a vida inteira, enquanto o aluno e o funcionário ficam pouco tempo!"
Cenário 7:
2004. Campus da Universidade Federal do Acre. Rio Branco.
O Reitor Jonas Filho tenta a reeleição. O presidente da comissão eleitoral, professor Domingos José de Almeida Neto, diz à imprensa: "- Esta é uma eleição proporcional. Um voto de um professor equivalerá a 96 votos de estudantes."
Moral da história
No alvorecer do século XXI a Universidade brasileira deve ser reformada, sim, mas de modo a consagrar seu espírito de comunidade com três segmentos que têm os mesmos ideais e os mesmos objetivos.
A Universidade não é um condomínio. A Universidade não é uma Sociedade Anônima. O Reitor não é um síndico. O voto, na democracia universitária, não pode ser plural, não pode ser censitário. Os professores não são proprietários de várias unidades. O corpo docente não tem mais ações ou frações ideais que os outros dois segmentos.
(*) Jorge Antunes, professor titular do Departamento de Música da UnB, maestro, compositor, é autor da Sinfonia das Diretas, da Cantata dos Dez Povos e da Ópera Olga.
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